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22 dezembro

A cura pelos livros

Postado por: Vera Magalhaes
Os preferidos de 2020 e os separados para 2021

Quarentena, distanciamento, isolamento. Nunca li tanto. Nunca deixei de ler tanta coisa que gostaria de ter lido. O tempo gasto nas redes sociais, o trabalho, a avalanche incessante de acontecimentos em tempo real, tudo isso fez com que não conseguisse terminar ou mesmo começar todos os livros que comprei, namorei e separei.

Mas li muito, e os livros foram bálsamos em alguns momentos. Cura pela palavra, mesmo. Em outros foram uma razão a mais de inquietação com os tempos que vivemos, mas nem por isso menos importantes e necessários.

Nunca li tanta não-ficção num mesmo ano. Sou daquelas que preferem, nas poucas horas de folga, se dedicar à literatura, à narrativa sem amarras. Mas 2020 não permitia tanto escapismo, e até no ramo da ficção ele começou premonitório: se não é isso, como explicar que na virada do ano, sob o sol de Búzios e com o flagelo da pandemia ainda distante, eu estivesse devorando “Submissão”, do francês Michel Houllebecq, que já ali parecia tão realista?

Então chega de delongas e vamos à lista dos melhores livros que li em 2020 e do que já separei do muito que pretendo ler no ano que vem.Melhores livros de não-ficção de 2020

Melhores livros de não-ficção de 2020

  1. A Máquina do Ódio, de Patrícia Campos Mello (Companhia das Letras) – A Pata, como a gente chama entre os jornalistas, passou por um turbilhão de ataques, ameaças e tentativa de destruição de reputação desde que publicou uma série de reportagens na Folha de S.Paulo mostrando a existência de um esquema de impulsionamento de mensagens por WhatsApp na eleição de 2018. No livro ela resgata o passo a passo das reportagens, mostra o paralelo do ataque que ela sofreu, e que atingiu também outros jornalistas (principalmente mulheres) com o que é feito em outros países em que populistas de extrema-direita chegaram ao poder e mostra as engrenagens do que viria a ser o gabinete do ódio, e começou já na campanha. Indispensável para entender o Brasil de Bolsonaro.
  2. A Defesa do Espaço Cívico, de Ilona Szabó (Objetiva)
  3. O Tempo dos Governantes Incidentais, de Sérgio Abranches (Companhia das Letras)
  4. Sobre o Autoritarismo Brasileiro, de Lília Moritz Schwarcz (Companhia das Letras)
  5. O Brasil Dobrou à Direita, de Jairo Nicolau (Zahar)

Estes quatro livros formam uma tetralogia involuntária. Seus autores abordam diferentes aspectos do fenômeno da ascensão do bolsonarismo (Abranches, Nicolau e Schwarcz) e apontam, com ênfase para o da Ilona, o que a sociedade civil organizada precisa começar a fazer para restaurar a democracia e lutar pela devolução do espaço cívico que vem sendo paulatinamente suprimido. Fundamentais.

6. A Organização, de Malu Gaspar (Companhia das Letras)

Trata-se do livro-reportagem do ano, um monumento do jornalismo investigativo, apurado com rigor obsessivo por esta que é uma das repórteres mais completas em atividade no Brasil. No segundo livro, a Malu conseguiu lapidar as qualidades de texto e levantamento de dados e informações que já tinha trazido em sua estreia como autora, com a biografia de Eike Batista. Tudo que é preciso conhecer para entender as engrenagens do funcionamento do poder, do capitalismo e da política brasileiros está lá. Para quebrar mitos dos dois lados: o de que toda a corrupção do Brasil começou com o PT, e o de que o petrolão não existiu e foi um golpe contra o partido. Nem uma coisa nem outra. Muito pelo contrário, aliás. Não se salvam mitos e herois na política depois da leitura.

Melhores livros de ficção de 2020

A ordem aqui é cronológica, porque ela diz muito sobre o meu percurso nesse 2020 tão duro

  1. Submissão, de Michel Houllebecq (Alfaguara) – Como eu disse, o ano começou com distopia religiosa e política. Tivemos grandes doses desses ingredientes também na vida real. O livro conta, na escrita cortante de tão cética, por vezes cínica, de Houllebecq, como a França vai aos poucos e de forma voluntária se tornando uma teocracia muçulmana, a partir de uma série de eventos a princípio menores. De tirar o fôlego e o sono.
  2. As Correções, de Johnathan Franzen (Companhia das Letras) – Franzen é um dos meus autores contemporâneos favoritos. E depois de ter amado Liberdade e Pureza, lembrei que tinha começado o primeiro romance dele lá atrás, na primeira licença-maternidade, e por conta dela não tinha terminado. Reiniciei. Em tempos de distanciamento social, em que não podíamos nem abraçar nossos pais, para mim foi um soco no estômago. Seja porque lá encontrei pela primeira vez num livro a doença com a qual meu pai foi diagnosticado há dois anos, seja porque Franzen sabe como ninguém extrair toda a doçura e o amargor das relações familiares, tornando de carne e osso personagens de papel. Leiam.
  3. O Assassinato do Comendador, volumes 1 e 2, de Haruki Murakami (Companhia das Letras) – Meu autor de cabeceira, aquele cujos livros eu transportaria comigo para uma ilha deserta ou a prisão. O realismo mágico oriental (tão diferente da nossa tradição latina do gênero) de Murakami acalma meu coração e faz com que a minha alma voe tranquila pelas páginas. Sempre foi assim, e já li tudo dele. Nessa obra em dois tomos ele retoma elementos sempre presentes em sua literatura: personagens tão líricos quanto econômicos em emoções, escrita precisa, sem adjetivos, mas não menos eloquente, cenários de sonho, pensamentos universais. Isso além de nos transportar para o Japão, certamente o melhor lugar do mundo, na realidade e na ficção.
  4. Pessoas Normais, de Sally Rooney (Companhia das Letras) – Expoente de um gênero de literatura que eu amo: a contemporânea-viciante. Tributária de Nicky Hornby, Zadie Smith e David Nicholls, entre outros, Rooney atualiza o gênero trazendo ao seu casal de protagonistas, Connell e Marianne, mais camadas e mais defeitos que esses autores costumam colocar em suas receitas. Li em literalmente um dia. E devorei a série, disponível no Now, no mesmo período. As referências de música e outras de cultura pop também ajudaram a me viciar.
  5. Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior (Todavia) – O livro brasileiro do ano, vencedor do Jabuti de melhor romance, merece todas as honrarias que recebeu e que ainda vai colher, certamente. A leitura desse livro abriu veredas na minha mente que me levaram para tantos outros, fundadores da minha personalidade e do meu amor à literatura, de Guimarães Rosa a Raduan Nassar. Também me remeteram a amores mais recentes na minha vida, como a obra de Chimamanda Ngozi Adichie, pela evocação das tradições afro, a questão da ancestralidade e a presença de personagens femininas tão complexas e bem construídas. Que essa delicadeza e essa obra cheia de detalhes venha da pena de um homem só torna tudo mais impactante e revigorante. Torto Arado é um monumento contemporâneo da literatura brasileira, uma prova de que o Brasil é grande, é lindo, é pujante e vai sair dessa lama em que nos enfiaram.

Melhor livro multigênero

A Ridícula Ideia de Nunca mais te Ver, de Rosa Montero (Todavia)

Eu não sei como categorizar este livro. Não é uma biografia, não é um ensaio. Um diário? Talvez. Nesse caso não um, mas dois. Mas tem muito de romance também, pela forma generosa com que Rosa trabalha o personagem Marie Curie, uma das maiores cientistas de todos os tempos. É um livro sobre o luto, mas não chega a ser um livro triste. É um livro sobre o amor que dura, sobre permanência, sobre lealdade, sobre mergulhar fundo nas relações, em quem somos, em aceitar a perda e não tentar empurrá-la para debaixo do tapete. Para quem já perdeu alguém e já perdeu um amor, em morte ou em vida, é um livro que fica em você. Sublinhei tantas frases ao longo da leitura, e elas vão ficar comigo para sempre. Não há como não sair mais maduro da leitura deste livro.

PS – Os livros de 2021 ficam para 2021. Depois que eu lê-los. O post já ficou gigante! Boa leitura a todos

Comentários

  1. SIMONE APARECIDA MOTTA GUARNIERI disse:

    Adorei as indicações de livros, como adoro seus comentários na CBN. Consigo ouvir parte do programa quando saio do trabalho a caminho de casa. Obrigada por nos proporcionar tantas reflexões!

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